Redutos da memória

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Luiz Braga apresenta imagens inéditas em que a ausência é principal personagem

> Imagem da série Solitude, de Luiz Braga

Cadeiras vazias. Um corredor. Xícaras penduradas. Uma máquina de costura. Um ferro de passar roupas. Um vaso de cristal sobre uma toalha de crochê. Um copo americano com café com leite, um açucareiro. Objetos que representam ausências: a falta de alguém para sentar, para passar pelo corredor, para beber nas xícaras, para adoçar a média. Na mostra “Solitude”, com fotografias de Luiz Braga, fotógrafo convidado do II Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia, vê-se memórias de quem não está.

>> Confira galeria de imagens sobre a mostra Do Outro Lado da Rua

A exposição segue em cartaz até o dia 15 de maio, no Museu da UFPA. Na série de 11 imagens inéditas – são três fotografias em preto e branco e oito coloridas, nas quais feixes de luz e tons de verde se destacam – o paraense apresenta um trabalho diferenciado.

Sua longa trajetória imagética, marcada pela forte presença humana, aqui se faz inversa. É por meio da falta das pessoas, que estão ligadas cotidianamente àqueles objetos, que surgem lembranças dos tempos de outrora e do afeto que existe impresso nas coisas e cômodos de um lar.

A mostra retrata momentos importantes da vida de Luiz Braga, com situações fotografadas em casas distintas, como a do escritor paraense Bruno de Menezes, na Cidade Velha. Desta residência, a imagem de um mosquiteiro e uma luminária de uma alcova. O fotógrafo recorda-se imediatamente que quando criança, era em um lugar como esse que ele adormecia. Por várias vezes recorda-se da madrinha, que costurava. O estalar das agulhas fixando a linha no pano ainda é latente. Também lembra do crochê que ela fazia. “Tinha em todo lugar. Te confesso que não gostava, achava cafona. Mas quando saí da adolescência – quando negava tudo isso-, e consegui enxergar o que tem de carinho e afeto naqueles pontos… passei a entender”, diz.

“O conceito da exposição surgiu pelas trocas afetivas, de coisas que aconteceram comigo, que falam a mesma coisa. Essas fotos acabaram sendo a realização de um desejo de partilhar as minhas lembranças com os outros”, conta.

As fotografias, a princípio, não foram feitas para uma mostra específica. A primeira data de 1975, e mostra o quintal de sua antiga casa, onde cadeiras de ferro foram abandonadas. Esta é a única imagem feita com objetos que pertenceram à sua família. A mais recente, de 2004, e única feita com tecnologia digital, mostra uma cena comum das tabernas de bairro: uma média com um açucareiro de metal desgastado, “onde a colher nunca está no lugar certo”, ele observa. Foram quase trinta anos para perceber a unidade entre as 11 fotografias.

A dinâmica da produção de Luiz é assim: o tempo dá o tom, a cor, o conceito. E “Solitude” só faz sentido nesse exato momento da existência do fotógrafo. Luiz explica o motivo para expor algo tão subjetivo: a necessidade de externar questões pessoais e confrontar a finitude da vida. “Aos 54 anos, de repente me confrontei com a vida. Não perdi pai nem mãe. Eu vou ser avô. Mas podem acontecer muitas mudanças no período de seis meses. A vida vem e de repente você sente o tranco. Vou ter que lidar em breve com isso”, explica-se.

“No momento em que eu me lanço nesses objetos, estou em busca do meu sentimento”. Ao invés de fotografar a finitude impressa nas coisas ao seu redor, Luiz partiu em busca dos objetos dos outros, para através destes falar do seu afeto e do receio das perdas.

VÍDEO

Em outro trabalho também inédito e desta vez em vídeo, Luiz apresenta a crônica de uma relação urbana, de bairro. O vídeo “Do outro lado da rua”, que será apresentado no dia 16, no Museu Casa das Onze Janelas, o autor apresenta cerca de 70 fotografias de uma novena feita na casa de Dona Zuleide. A vizinha morava em uma casa da Travessa Tirandentes, no bairro do Reduto, em frente de onde hoje localiza-se o seu estúdio fotográfico. E sempre a observava na janela, com um cachorro pequinês nas mãos. Católica, a vizinha sempre recebia as peregrinações da imagem de Nossa Senhora de Nazaré, durante a quadra do Círio. Em uma dessas visitas, em 2003, o fotógrafo decidiu que deveria registrar a fé daquele grupo de idosos.

“O que existia de afetividade, de tradição nesse espaço de convivência, hoje não há mais”, lamenta o fotógrafo. A edição do vídeo é assinada por Alberto Bitar, editor de fotografia do Diário do Pará. E na trilha sonora, as ladainhas que são cantadas em novenas, marcadas pelo barulho das demolições e construções que assolam o bairro.

VISITE

Mostra SOLITUDE

até 15 de maio

Museu da UFPA

Entrada franca

Mostra DO OUTRO LADO DA RUA

até 15 de maio

Museu Casa das Onze Janelas

Entrada franca

Das páginas do jornal para a galeria

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> Imagem do fotógrafo Anderson Coleho, que integra a mostra “Diários da Cidade”

Pela natureza da sua atividade diária, os fotojornalistas do Diário do Pará compõem mostra especial do II Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia, que será aberta hoje (16), às 19h, no Museu Casa das Onze Janelas. A coletiva “Diários da Cidade” reúne imagens de 18 fotógrafos.

A ideia da mostra surgiu a partir do tema do projeto este ano: Crônicas Urbanas. A curadoria foi feita pelo curador geral do Prêmio Diário Contemporâneo, Mariano Klautau Filho; e pelos editores de fotografia do Diário do Pará, Alberto Bitar e Octávio Cardoso, que fez uma seleção cuidadosa, baseando a escolha no estilo de cada fotógrafo. Por conhecerem de perto o trabalho de todos os fotógrafos, os editores buscaram o acento mais autoral de cada um deles.

SELEÇÃO

Selecionar as fotografias para a mostra foi um árduo trabalho. Diariamente, o volume de fotografias produzidas para o jornal é muito grande. Diante da predominância de temas factuais nas imagens, determinadas quase sempre por uma pauta jornalística, observar a plasticidade e os elementos visuais foi essencial para a curadoria. “Os fotojornalistas são autênticos cronistas visuais do cotidiano. Agora a questão do factual deve ser reconstruída revelando o potencial plástico das imagens. O factual tem sua força, mas a fotografia vai permanecer como imagem quando o impacto gera um outro tempo, não mais o factual”, explica Mariano. Octávio complementa que a intenção é expor que os repórteres fotográficos têm poética própria. Ele elucida que não se trata de uma mostra de fotojornalismo, mas de fotógrafos que são fotojornalistas.

Nas imagens apresentadas, Belém e outras cidades dos arredores com suas belezas e tristezas. Cenas das editorias de Polícia e Cidades são predominantes: crimes, incêndios, desastres como o desabamento do prédio na Travessa Três de Maio, enchentes, árvores derrubadas, cenas corriqueiras da periferia, como o movimento em uma quitanda de frutas. As luzes do caos urbano, o movimento de chegada na capital paraense pela visão dos ribeirinhos, de quem mora do outro lado do rio Guamá, crianças brincando de futebol em uma rua de piçarra. “A cidade é a protagonista”, define um dos curadores da mostra, Alberto Bitar. “Tentamos pinçar as fotos pela vida que contêm, independente de estar mostrando um assunto específico, e para mostrar o outro lado da produção desses fotógrafos”, diz Octávio.

Em imagens, o ritmo da cidade

Aproposta é mostrar o trabalho de fotógrafos que estão intimamente relacionados com a dinâmica da cidade. “Algumas imagens não foram publicadas no jornal, mas marcaram muito quando foram feitas, ficaram na nossa memória. Selecionamos as fotografias em conjunto com cada fotógrafo, tiramos outras do acervo do jornal”, diz Alberto Bitar, acrescentando que fotógrafos como Wagner Almeida e Anderson Coelho apresentarão trabalhos inéditos, em vídeo.

Em “Lume”, de Wagner Almeida, um som veloz, rápido, dá o tom das imagens do trânsito caótico de Belém, à noite, em que luzes brancas e vermelhas dos carros compõem as fotografias. Já em “Margem”, de autoria de Anderson Coelho, a ideia é retratar a saída diária de pessoas que moram nas ilhas ao redor de Belém, rumo à capital. Segundo Alberto, que também participou da produção e edição dos vídeos, os trabalhos se completam e por isso vão estar dispostos diametralmente na sala da exposição do Museu Casa das Onze Janelas.

“É a Belém de dentro e de fora. São olhares que se completam. Um mostra a correria de Belém e outro a calma do rio”, comenta.

“A mostra também é uma oportunidade para o fotógrafo experimentar, levando a fotografia estática para o suporte em movimento. Isso é um bom exemplo de como é possível reinventar o tempo de uma fotografia que esteve nas páginas de um jornal e criar uma outra intenção”, acrescenta Mariano, destacando que é também um modo do fotojornalista ver o seu trabalho em outro contexto e perceber outros potenciais.

VISITE

Mostras “Diários da Cidade”, no Museu Casa das Onze Janelas (Praça Frei Caetano Brandão, s/n, Cidade Velha). Informações: 3224-0871 / 3242 – 8340 / contato@diariocontemporaneo.com.br