RETROSPECTIVA – 2011: A dinâmica do urbano

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A edição de número dois do Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia ocorreu em 2011 com a temática de “Crônicas Urbanas” e, após refletir sobre as identidades brasileiras no ano anterior, o projeto trouxe o questionamento acerca da cidade como lugar de ação da cultura.

Da série “Ainda queria falar de flores”, de Anita Lima, selecionada em 2011.

Com o desenvolvimento da imagem fotográfica, o registro das cidades, pessoas e seus modos de vida foi crescendo junto. O cotidiano, seus desafios e representações foram, então, colocados como lugares de provocação para os artistas. Questões urbanas, ambientais, sociais e artísticas se sobrepõem nas cidades do século XXI e o contemporâneo é um tempo desafiador e crítico.

A cidade foi elemento fundamental para as narrativas fotográficas apresentadas. O tema de 2011 colocou o artista como parte importante do espaço urbano. Nele, o fotógrafo não é mero espectador atento para capturar o que salta ao seu olhar, mas sim um ator que vive suas próprias representações e expressões de identidade.

COMISSÃO DE SELEÇÃO

Os trabalhos foram julgados por uma comissão formada por Alexandre Sequeira, artista plástico e fotógrafo, mestre em Arte e Tecnologia pela UFMG, doutorando em Arte pela mesma instituição, professor do ICA/UFPA e que desenvolve trabalhos que estabelecem relações entre fotografia e alteridade social; Tadeu Chiarelli, curador e crítico de arte, professor titular no curso de Artes Visuais da USP, ex-diretor da Pinacoteca de São Paulo e do Museu de Arte Contemporânea da USP e que já atuou como curador-chefe do Museu de Arte Moderna de São Paulo; e Marisa Mokarzel, doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará e mestre em História da Arte pela UFRJ, professora e pesquisadora do Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura e professora de História da Arte do curso de Artes Visuais e Tecnologia da Imagem, ambos da UNAMA.

Os três membros do júri também tiveram a oportunidade de encontrar e conversar com o público de Belém. Tadeu Chiarelli realizou o bate-papo “A Fotografia e o Museu Contemporâneo: curadoria e pesquisa” no qual debateu assuntos como a inserção cada vez mais forte da fotografia na arte contemporânea e o papel cultural que exerce o museu de arte hoje. Na ocasião, o crítico apresentou obras que fazem parte do acervo do MAC-USP e analisou como este acervo estava sendo repensado.

Marisa Mokarzel ministrou a palestra “Imagens e Afetos” na qual refletiu sobre o acumulo de imagens e a falta de afeto tendo como apoio “A arte da desaparição”, de Jean Baudrillard. Ela discutiu a arte no mundo contemporâneo observando os trabalhos de Luiz Braga, artista convidado da edição.

Já Alexandre Sequeira realizou a oficina “Diálogos Fotográficos”, na qual proporcionou diálogos entre as duplas formadas por participantes. Autores como Nelson Brissac Peixoto, filósofo e professor da PUC/SP e Ítalo Calvino, escritor italiano foram debatidos. As duplas também puderam sair para fotografar e pensar juntas, construindo narrativas através do diálogo e da poética do encontro.

Sabonete de bolinha, 1998. Foto: Luiz Braga

ARTISTA CONVIDADO

Luiz Braga foi o artista convidado da segunda edição. A mostra “Solitude”, apresentava fotografias coloridas e em preto e branco que indicavam a memória daquele que não está. O artista, que registrou boa parte das recentes transformações da cidade de Belém, sempre teve como marca forte a figura humana, mas nessas imagens somente o seu rastro está presente. Por meio das lembranças que se misturam, o público pôde passear por diversas casas, desde uma residência sua antiga até a do escritor paraense Bruno de Menezes, na Cidade Velha.

O convite para adentrar no ambiente do lar também pôde ser visto no vídeo “Do outro lado da rua” formado por cerca de 70 fotografias de uma novena feita na casa de Dona Zuleide, vizinha que morava em uma casa em frente ao seu estúdio fotográfico. Entre os cantos e ladainhas, a fé e a acolhida estão evidentes em uma pequena memória de quem foi aquela mulher e de como foi esta cidade.

Luiz Braga também realizou um bate-papo com o público. A ideia era aproximá-lo de sua trajetória e das motivações criativas que levaram o artista a produzir trabalhos que vão desde a fotografia clássica até a narrativa fragmentada em vídeo, como os que foram apresentados na edição de 2011 do projeto.

PREMIADOS E SELECIONADOS

A comissão analisou 287 obras e premiou os trabalhos de Silas José de Paula (CE), Leonardo Sette (PE) e Roberta Carvalho (PA).

Silas foi o vencedor na categoria “Crônicas Urbanas” com a série “Gente no Centro” na qual suas imagens quadradas registram um pouco da agitação urbana e de suas pessoas. Onde muitos enxergam caos e desordem, Silas viu o multicolorido das barracas e daquelas figuras humanas sem rosto que se misturam apressadas à paisagem da cidade.

Já Leonardo Sette, vencedor na categoria “Diário Contemporâneo” com sua instalação “As Luzes Inimigas”, apresentou sua técnica impecável alinhada com uma narrativa multimídia. As fotografias em preto e branco registram de um jeito documental clássico protestos de cunho político ocorridos na França. Já o vídeo com imagens registradas em um trem mostra seus passageiros transportados com pressa até seu destino, ao mesmo tempo em que leem com tranquilidade o jornal. Agitação e naturalidade na Cidade-Luz sob o olhar crítico do artista.

Sarkozy-Le Pen, Paris, 2007. Foto: Leonardo Sette

No Diário Contemporâneo a fotografia é o ponto de partida para as reflexões e isso pôde ser confirmado com a premiação de Roberta Carvalho na categoria “Diário do Pará” com o trabalho “Symbiosis”. Nele as árvores interagem com a cidade, pulsam e olham aqueles que passam pela rua. Projetadas nas copas das arvores, as imagens de rostos humanos tornam mais efetiva a relação entre homem e natureza. Experimentação e expressividade que falam daquilo que é orgânico e que liga todos os seres vivos.

Além disso, foram selecionados os trabalhos de 18 artistas, são eles Anita Lima (SP), Carlos Dadoorian (RJ), Coletivo Cia De Foto (SP), Everaldo Nascimento (PA), Fabio Okamoto (SP), Felipe Baenninger (SP), Fernanda Antoun (RJ), Fernanda Grigolin (PR), Francilins (MG), Haroldo Saboia (CE), Ionaldo Rodrigues (PA), José Diniz (RJ), Keyla Sobral (PA), Marina Borck (BA), Pedro David (MG), Péricles Mendes (BA), Ricardo Macêdo (PA) e Viviane Gueller (RS).

FOTOJORNALISMO NO MUSEU

Dentre as novidades da segunda edição estava “Diários da Cidade”, uma mostra especial com trabalhos de 18 fotógrafos do Jornal Diário do Pará. Adauto Rodrigues, Alex Ribeiro, Amaury Silveira, Anderson Coelho, Antônio Melo, Celso Rodrigues, Cezar Magalhães, Everaldo Nascimento, Keylon Feio, Marcelo Lelis, Marcos Santos, Mário Quadros, Mauro Ângelo, Ney Marcondes, Rogério Uchôa, Tarso Sarraf, Thiago Araújo e Wagner Almeida integraram a coletiva. A curadoria desta mostra foi de Mariano Klautau Filho, Alberto Bitar e Octávio Cardoso.

Os fotojornalistas são profissionais que vivenciam diretamente a dinâmica das cidades. Os trabalhos dos fotógrafos do Jornal Diário do Pará saíram, então, do acervo do jornal para as paredes do museu. Além disso, um bate-papo foi realizado com os fotojornalistas e o público. O encontro também contou com a presença de Octávio Cardoso, editor de fotografia do Diário do Pará e a mediação da jornalista Dominik Giusti.

AÇÕES

Além da ação formativa com Alexandre Sequeira, foram oferecidas mais duas oficinas. “Processos da Cianotipia”, com Eduardo Kalif, deu a oportunidade dos participantes se debruçarem sobre um dos primeiros processos de impressão fotográfica em papel.

Já em “Fotografia Documental”, Guy Veloso usou a sua pesquisa para o projeto “Penitentes” como ponto de partida para compartilhar com os participantes como elaborar um projeto de pesquisa e realização de um ensaio documental. Planejamento, mapeamento, técnicas de abordagem, exibição, redes de contatos e informações foram alguns dos temas abordados.

Ernani Chaves realizou o bate-papo “Fotografia, cidade e o retorno do flâneur”, no qual, a partir de Walter Benjamin e Franz Hessel, mostrou a possibilidade do flâneur na fotografia, esta como uma leitura da cidade e o fotografo como um narrador. O encontro teve a mediação de Ionaldo Rodrigues.

E Mariano Klautau Filho, curador do projeto, na palestra “Mutações do Fotográfico” analisou ideias como deslocamento, poética, narrativa e ação nas temáticas e trabalhos das duas edições então realizadas do Diário Contemporâneo.

O PROJETO

O Diário Contemporâneo contribuiu para a descentralização das questões sobre arte no país, pois há uma década vem lançando proposições e chamando os artistas para o debate, consolidando o Pará como um espaço de criação e reflexão em artes.

O Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia é uma realização do jornal Diário do Pará com apoio institucional do Espaço Cultural Casa das Onze Janelas, do Sistema Integrado de Museus e do Museu da UFPA; colaboração da Sol Informática, parceria da Alubar e patrocínio da Vale.

INSCRIÇÕES ABERTAS

Em 2019 o Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia comemora 10 anos de atuação. As inscrições da edição especial de aniversário já estão abertas e seguem até dia 13 de junho sendo realizadas somente pelo site www.diariocontemporaneo.com.br

Das páginas do jornal para a galeria

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> Imagem do fotógrafo Anderson Coleho, que integra a mostra “Diários da Cidade”

Pela natureza da sua atividade diária, os fotojornalistas do Diário do Pará compõem mostra especial do II Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia, que será aberta hoje (16), às 19h, no Museu Casa das Onze Janelas. A coletiva “Diários da Cidade” reúne imagens de 18 fotógrafos.

A ideia da mostra surgiu a partir do tema do projeto este ano: Crônicas Urbanas. A curadoria foi feita pelo curador geral do Prêmio Diário Contemporâneo, Mariano Klautau Filho; e pelos editores de fotografia do Diário do Pará, Alberto Bitar e Octávio Cardoso, que fez uma seleção cuidadosa, baseando a escolha no estilo de cada fotógrafo. Por conhecerem de perto o trabalho de todos os fotógrafos, os editores buscaram o acento mais autoral de cada um deles.

SELEÇÃO

Selecionar as fotografias para a mostra foi um árduo trabalho. Diariamente, o volume de fotografias produzidas para o jornal é muito grande. Diante da predominância de temas factuais nas imagens, determinadas quase sempre por uma pauta jornalística, observar a plasticidade e os elementos visuais foi essencial para a curadoria. “Os fotojornalistas são autênticos cronistas visuais do cotidiano. Agora a questão do factual deve ser reconstruída revelando o potencial plástico das imagens. O factual tem sua força, mas a fotografia vai permanecer como imagem quando o impacto gera um outro tempo, não mais o factual”, explica Mariano. Octávio complementa que a intenção é expor que os repórteres fotográficos têm poética própria. Ele elucida que não se trata de uma mostra de fotojornalismo, mas de fotógrafos que são fotojornalistas.

Nas imagens apresentadas, Belém e outras cidades dos arredores com suas belezas e tristezas. Cenas das editorias de Polícia e Cidades são predominantes: crimes, incêndios, desastres como o desabamento do prédio na Travessa Três de Maio, enchentes, árvores derrubadas, cenas corriqueiras da periferia, como o movimento em uma quitanda de frutas. As luzes do caos urbano, o movimento de chegada na capital paraense pela visão dos ribeirinhos, de quem mora do outro lado do rio Guamá, crianças brincando de futebol em uma rua de piçarra. “A cidade é a protagonista”, define um dos curadores da mostra, Alberto Bitar. “Tentamos pinçar as fotos pela vida que contêm, independente de estar mostrando um assunto específico, e para mostrar o outro lado da produção desses fotógrafos”, diz Octávio.

Em imagens, o ritmo da cidade

Aproposta é mostrar o trabalho de fotógrafos que estão intimamente relacionados com a dinâmica da cidade. “Algumas imagens não foram publicadas no jornal, mas marcaram muito quando foram feitas, ficaram na nossa memória. Selecionamos as fotografias em conjunto com cada fotógrafo, tiramos outras do acervo do jornal”, diz Alberto Bitar, acrescentando que fotógrafos como Wagner Almeida e Anderson Coelho apresentarão trabalhos inéditos, em vídeo.

Em “Lume”, de Wagner Almeida, um som veloz, rápido, dá o tom das imagens do trânsito caótico de Belém, à noite, em que luzes brancas e vermelhas dos carros compõem as fotografias. Já em “Margem”, de autoria de Anderson Coelho, a ideia é retratar a saída diária de pessoas que moram nas ilhas ao redor de Belém, rumo à capital. Segundo Alberto, que também participou da produção e edição dos vídeos, os trabalhos se completam e por isso vão estar dispostos diametralmente na sala da exposição do Museu Casa das Onze Janelas.

“É a Belém de dentro e de fora. São olhares que se completam. Um mostra a correria de Belém e outro a calma do rio”, comenta.

“A mostra também é uma oportunidade para o fotógrafo experimentar, levando a fotografia estática para o suporte em movimento. Isso é um bom exemplo de como é possível reinventar o tempo de uma fotografia que esteve nas páginas de um jornal e criar uma outra intenção”, acrescenta Mariano, destacando que é também um modo do fotojornalista ver o seu trabalho em outro contexto e perceber outros potenciais.

VISITE

Mostras “Diários da Cidade”, no Museu Casa das Onze Janelas (Praça Frei Caetano Brandão, s/n, Cidade Velha). Informações: 3224-0871 / 3242 – 8340 / contato@diariocontemporaneo.com.br