Luzes inimigas

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Conheça o trabalho de Leonardo Sette, vencedor na categoria “Diário Contemporâneo”

O pernambucano Leonardo Sette é dono de uma trajetória reconhecida no cinema. Graduado em Historia do Cinema pela Université Paris, ele produziu e montou dois longas e mais de 20 curtas, além de ter ministrado oficinas de vídeo para jovens indígenas em várias partes da Amazônia. Como crítico, colabora desde 2006 com a revista Cinética, publicação eletrônica focada na reflexão crítica e ensaística sobre o cinema e o audiovisual – também conhecida pelos textos ácidos. Seus curtas “Ocidente” e “Confessionário” colecionam prêmios em festivais pelo Brasil e ele se prepara para iniciar as filmagens de “Leme”, filme contemplado pelo Programa Petrobras Cultural.

Só que há pouco menos de um ano, Leonardo se descobriu fotógrafo. E nada mais natural que tanta familiaridade com o universo das imagens em movimento também impregnasse sua fotografia estática. O artista celebra Paris como palco político e berço esplêndido da imagem em “As Luzes inimigas”, instalação vencedora do II Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia – Crônicas Urbanas, na categoria “Diário Contemporâneo”.

Composta por 16 fotos acompanhadas pela exibição contínua de um vídeo de sete minutos, o trabalho – produzido entre 2005 e 2008 na Cidade-Luz – levanta questões sobre formatos, vídeo, cinema, cinefilia e a própria fotografia. “’As Luzes Inimigas’ é quase um roteiro de cinema, fragmentado e visual e com apuro técnico impecável”, elogia o curador geral do projeto, Mariano Klautau Filho. “Conversam na mesma medida o rigor da fotografia urbana em preto e branco e a fluidez do vídeo, a serviço de uma narrativa extremamente pessoal”, destaca.

O júri, formado pelo curador, historiador e crítico de arte Tadeu Chiarelli; a curadora e professora Marisa Mokarzel; e o fotógrafo e professor Alexandre Sequeira – analisou 254 trabalhos vindos de todas as regiões do Brasil. Cada um dos três vencedores (veja quadro) receberá um prêmio de R$ 10 mil, além uma ajuda de custo para a produção dos trabalhos, no valor de R$ 1.200 – que será conferida a todos os 21 artistas selecionados. Os trabalhos serão reunidos em uma mostra aberta no dia 15 deste mês no Museu da UFPA.

TEOR POLÍTICO

Em “As Luzes Inimigas”, protestos de rua parecem aprisionados como inofensivas imagens de arquivo, graças a um cenário antiquado – e ao preto e branco documental escolhido pelo fotógrafo. “O excesso de luz contorna a dureza de uma rica e velha sociedade, num país hoje governado com grave teor de extremismo”, destaca o artista no texto de apresentação do projeto.

Na imagem intitulada “Sarkozy-Le Pen”, vemos uma Paris às vésperas das eleições, repleta de cartazes mostrando o rosto do então candidato à presidência Nicolas Sarkozy com o nome do líder da extrema direita Jean-Marie Le Pen. O ano era 2007. “O flerte desinibido com ideias da extrema direita foi parte importante da eficiente estratégia que levou Sarkozy ao poder”, pontua Leonardo.

Em “Gás”, vemos fotógrafos atingidos por gás lacrimogêneo durante repressão às manifestações estudantis em 2006. Já o díptico horizontal “Pedras” é o registro de um ataque à barreira policial que fecha o caminho ao escritório do primeiro-ministro em uma época em que a França tinha até então o mais alto índice de desemprego entre jovens da Europa.

A beleza do caos

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Conheça o trabalho de Silas de Paula, vencedor na categoria “Crônicas Urbanas”

Seduzido pelo caos que é característica fundamental dos grandes centros, com toda a velocidade dos atos e toda a complexidade da vida que há nesses espaços, o fotógrafo capixaba Silas de Paula descobriu um novo sentido para a sua fotografia. Habituado ao preto e branco documental, clássico, e com vários trabalhos autorais na bagagem, ele se viu sufocado, entrou em crise.

Começou a achar suas imagens duras, angustiadas demais. O documental limitava, não dava conta do que ele queria fazer e mostrar. O ano era 1984. “Fechei o estúdio, vendi meu equipamento, fiz um concurso para a universidade e resolvi estudar”, relembra. Foi morar na Inglaterra, fez doutorado, tornou-se professor. E permaneceu 20 anos sem fotografar. Foi quando a vida acabou lhe surpreendendo: a filha havia se tornado fotógrafa.

Com ela, Silas aprendeu a pensar no que hoje chama de “ficcionalização do cotidiano”. E buscou na movimentação apressada do ambiente urbano a poética da dissolução do tempo, das formas, até onde já não seja possível distinguir realidade e ficção. “Andar no centro, durante alguns anos, perceber como é caótico e como a maioria das pessoas que não vivem aquele dia-a-dia reclamam da desorganização, me fez pensar em fazer algo”, relembra.

Dessa inquietude nasceu “Gente no Centro”, série vencedora do Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia na categoria “Crônicas Urbanas”. São cinco imagens multicoloridas, quadradas, não-nítidas, mergulhadas em uma atmosfera de sonho, imaginação. Das cenas ordinárias, vemos irromper a figura humana, sem rosto, anônima – absorvida pela pressa da rotina. Não lhe basta a paisagem: “Eu fotografo gente”, acentua.

VIÉS SOCIAL

A experiência como professor na Universidade Federal do Ceará, na convivência com os alunos e seus questionamentos, também aguçou o olhar do artista. Em uma das várias manhãs de exercícios fotográficos no Mercado São Sebastião, em Fortaleza, Fotos: Silas de Paula/ Divulgação um personagem em especial lhe chamou a atenção: o vendedor ambulante. “A mídia pauta estes vendedores como uma praga. Mas eles, com suas cores, dão vida ao centro”, defende.

É claro que não é fácil fotografá- los. Camelôs não costumam simpatizar com fotógrafos. “Eles acham que vamos fazer uma denúncia nos jornais para expulsá-los do centro”, diz Silas. “Converso com eles e explico que quero mostrar um outro lado. Mesmo desconfiados, muitos me deixam fotografá-los mas, às vezes, eu os fotografo sem que saibam”, conta. O “outro lado” a que o artista se refere é a defesa desses personagens como elementos fundamentais para a vitalidade desses espaços.

“As maiores cidades do mundo têm vendedores pelas ruas e são aceitos e, muitas vezes, elogiados pelos turistas. Não acho que eles têm que ser expulsos e sim encontrar um jeito de uma convivência pacífica. É uma questão cultural e de sobrevivência”, define. “Com as fotos percebi, mais ainda, que o que queremos expulsar é algo que dá vida ao centro, que é bonito e muitas vezes divertido. Lógico que existe uma complexidade maior que precisa ser discutida, alguns problemas sérios. Mas pode ser um ponto de partida para uma discussão sobre o assunto”.

Árvores que pulsam

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Conheça o trabalho de Roberta Carvalho, vencedora na categoria “Diário do Pará”

Fugir de obviedades e de temas clichês para integrar arte e natureza é um desafio. A artista Roberta Carvalho tem isso em mente. O desejo de trabalhar instigada pela relação homem / natureza sempre foi um desejo antigo. Na verdade, ela busca essa integração para compreender algo primário: que o homem é natureza. É tudo orgânico, biológico. Não à toa o termo que define essa relação, “simbiose”, dá título a um de seus trabalhos em que a ideia primeira está imbricada com a construção de um discurso artístico em que homem e natureza são elementos centrais.

“A idéia do ‘Symbiosis’ é restaurar essa identidade e fazer com que literalmente nos vejamos nessa natureza da qual nos separamos e vice-versa”, explica. Simbiose é a palavra usada para descrever a relação entre dois ou mais organismos de espécies diferentes, em que não há perdas para nenhum deles e acontece de forma mutuamente vantajosa.

Projeto Symbiosis – vencedor na categoria Diário do Pará, do II Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia – foi sendo desenvolvido ao longo dos anos, por meio de experimentação artística com imagem e vídeo e pesquisas sobre linguagem audiovisual. E quase sempre com um desejo de aliar o projeto às questões da natureza, com uma proposta não usual., na tentativa de descobrir possíveis espaços de projeção, não óbvios.

EXPERIMENTAÇÃO

A artista foi convidada pela Associação Fotoativa para realizar projeções durante o Colóquio de Fotografia, há dois anos, quando teve o insight de que deveria integrar uma imagem à copa de um dos jambeiros da Casa das Onze Janelas. “Fui olhar o espaço para planejar a ação, que era no piso superior, e procurei, procurei… Pensei em várias coisas e fui pra casa. Dormi pensando na proposta e acordei com a imagem exata e o local a ser projetado: a árvore”, relembra a artista, acrescentando que o resultado foi a conjunção de diversas experiências precedentes.

Pronto. Estava feito o primeiro “Symbiosis”, que deu vida ao desejo íntimo de Roberta de falar de natureza por meioda da arte e também de levar a arte para um espaço mais acessível, de fácil entendimento. “Para mim, a arte deve apontar para a vida e não para arte”, explica-se. Agora consolidado como projeto de projeção de fotografia e vídeo, o “Symbiosis” tem uma metodologia própria e um dos processos de pesquisa é fazer um estudo formal das copas das árvores para selecionar a figura humana a ser projetada.

O critério básico da escolha do corpo a ser projetado relaciona-se bastante com sua questão formal. Já houve casos, no entanto, em que a relação conceitual falou mais alto na opção pela imagem. Em uma das exibições do projeto, por exemplo, o rosto de uma criança foi projetado em uma árvore “jovem”, no meio de diversas árvores muito maiores. As imagens em geral são de rostos de homens, crianças, e da própria artista, mas não há um rigor para a escolha de quem estará nas projeções. Segundo Roberta, a base do trabalho é a experimentação e a expressividade das formas. “A ‘symbiosi’ é realmente uma busca deste projeto e ela se dá quando há uma perfeita adequação do corpo (do ser humano ou da arte) com a natureza. E isso, só experimentando ver para sentir”.

Pela qualidade plástica, aliada ao forte apelo conceitual, Roberta Carvalho foi a grande vencedora da categoria Diário do Pará. Quem analisa é Alexandre Sequeira, que integrou a comissão de seleção do Prêmio. “O projeto apresenta projeções em suportes não convencionais, fazendo conexão curiosa com outras linguagens. E conceitualmente humaniza a obra. A poética não demanda conhecimento especifico na área. A pessoa é seduzida, é encantada facilmente, sem contar a elegância plástica”, diz o artista e professor.