Na instalação “Extremos”, o artista propõe, a partir de um vídeo e recortes sonoros, reflexões sobre o passagem do tempo, a vida, o amor e rende homenagens ao jornalista Claudio de La Rocque Leal. A oba pode ser vista e ouvida na sala Laboratório da Casa das Onze Janelas – Cidade Velha -, integrando a exposição Homem Cultura Natureza, do 4º Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia. Até dia 26 de maio.
Por Luciana Medeiros*
Em uma sala escura temos, na parede do fundo, uma TV com um vídeo de 14 minutos, mostrando um final de tarde e suas mudanças de luz. No horizonte, um navio passa. O som de sua passagem ali é ampliado na sala de exposição por 4 caixas acústicas, pequenas, distribuídas em um par em cada parede lateral. Há também, nas mesmas caixas, um movimento sonoro eletrônico, da esquerda para a direita.
Pendurados na parede, acima das cabeças dos visitantes e instalados perto da parede dos fundos da sala, dois alto-falantes, revestidos com papelão preto, que vistos de fora, vê-se a forma de dois cilindros pretos e que, quando se passa por baixo, se ouve ruídos de grilos e cigarras, animais de vida curta, que habitam quintais e até mesmo as casas.
Em um lugar específico, iluminado por uma luz fraca, um cinzeiro é visto, com um cigarro. É um convite para que o espectador o acenda e depois o pendure de volta para que enquanto o vídeo passe, o cigarro queime. Aroma, cinza e fumaça. É assim descrita por Leo Bitar, a obra “Extremos”, exposta na Casa das Onze Janelas, como uma das obras selecionadas este ano no 4º Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia.
O vídeo foi feito por acaso, na Ilha do Mosqueiro (Distrito Administrativo de Belém), fartamente banhada pelas baías do Guajará, Santo Antônio e do Marajó, possuindo mantendo ainda chalés centenários, vestígios do ciclo da borracha, e bastante frequentada por quem mora aqui na capital, pois é facilmente acessada, passando por uma ponte, a que chegamos após uns 45 minutos de estada, saindo de Belém.
“Eu estava olhando a paisagem ali e de repente eu vi, no momento daquela luz de final de tarde, já caindo a noite, um navio passando. Daí disse a mim mesmo. Vou gravar isso. Botei o celular num quadro que eu achava interessante e deixei gravando. Quando eu cheguei em casa, e vi o vídeo, resolvi guardar e eternizar aquele momento”, conta Leo.
“Achei que ali estava algo interessante, só que o trabalho que eu queria fazer, não era de vídeo arte, mas sim um de som, uma instalação sonora, um som que conversasse com o vídeo e com a imagem e que fosse uma janela aberta para sentimentos”, me explicou Leo, detalhadamente, na abertura da exposição, no dia 26 de março, na Casa das Onze Janelas.
Para a montagem, Leo diz que primeiro filtrou em si mesmo, os sentimentos que aquela imagem lhe trazia. Depois trabalhou o som. “Peguei o som do navio que passava ao longe e trouxe pra muito próximo do espectador. As pessoas, então, assistem o vídeo de uma paisagem, com um navio que passa longe, mas cujo motor dele está presente e muito forte. E, ao mesmo tempo, tem outros sons vindos de cima”, segue contando a oba de sua perspectiva.
“É que no teto, eu coloquei uns cilindro sonoros com sons de grilos, que era o som que eu ouvia enquanto filmava na cena acontecendo. Então trago o som do barco para um primeiro plano sonoro. E o som dos grilos e das cigarras em outro plano, representando o som do imaginário.
As cigarras nascem e morrem rapidamente, tem um curto período de vida, e isso nos remete ao momento que, como o navio ali no vídeo, também passa. Assim é o cigarro que está aceso e tem seu tempo de queimar. Todos nós também temos o nosso tempo de viver, passar, desaparecer”, continua.
Para Leo, porém, ao contrário do que pode parecer, este trabalho não é uma metáfora de morte, e sim de vida, vida presente, que precisa ser mais observada e vivida no presente, sem tantas divagações, justamente porque passa e passa rápido.
“Tudo está de passagem, o som está de passagem. É como a vida que a gente passa e às vezes não percebe, mas que está ali, como o motor do navio, pulsante e forte. Na minha leitura, ‘Extremos’ também é paixão, amor, contemplação. A natureza do que está acontecendo no pôr do sol, um momento significativo, às vezes angustiante, triste, melancólico e de saudade”, (des)constrói Léo.
É um trabalho basicamente sonoro, com o suporte de vídeo, que assim, com o cinzeiro proposto no ambiente, conversa com a performance teatral, pedindo um quê de ator do espectador que pode assistir à projeção enquanto o cigarro queima sozinho, metaforizando a efemeridade da vida, não do tempo, que é eterno.
Coleções musicais e dedicação à arte sonora
Leo Bitar é designer de som e pesquisador na área da produção musical e sonora de nossa região. Tem um acervo pessoal invejável (no melhor sentido, claro) de vinil, que abrange a produção musical brasileira e internacional. Mas não é só. Certo dia, em sua casa, eu e mais alguns eleitos, tivemos o privilégio de ouvir pérolas em 78 rotações. Uma delas, era simplesmente Aracy de Almeida cantando Noel Rosa. Capa desenhada por Di Cavalcanti.
Isso sem falar da inesquecível audição, naquele mesmo dia, de uma Gal Costa, totalmente livre em ensaio, tipo de garagem, de “Clariô”, gravada em um compacto. Um som encorpado, cheio de naipes de metais e que, aliás (toda metida), ganhei de presente de Leo, que o digitalizou e me enviou por e-mail (delícia de tecnologia!).
O som, de maneira geral, é a paixão de Leo Bitar que, desde 1989, vem desenvolvendo trabalhos sonoros em parcerias artísticas na área do teatro e dança. A partir de 1990, ele também se dedica, em parcerias diversas, a trabalhos sonoros para cinema e vídeo.
Atualmente, o artista vem nutrindo/criando uma produção autoral/individual com paisagens sonoras e instalações. É o caso de “Extremos”, trabalho reconhecido e selecionado pelo júri criterioso e de competência indiscutível do Prêmio Diário, formado pelo fotógrafo Luiz Braga, pela professora e artista gaúcha Maria Helena Bernardes e pelo artista visual Armando Queiroz.
Homenagem – “Extremos” é, ainda, uma homenagem do artista, a Cláudio de La Rocque Leal, jornalista e pensador artístico, curador de inúmeras exposições, falecido, em setembro de 2006. Leo revela que ele foi um dos que mais o incentivaram a percorrer profissionalmente as entrelinhas da arte sonora.
“Eu passava horas no telefone com ele conversando sobre sons para galeria de arte, falávamos em criar uma sonoridade específica. O La Rocque foi um dos que me instigaram muito para fazer arte sonora. Os primeiros trabalhos que fiz já têm uns dez anos.
Lembro bem do segundo, em uma exposição de vários artistas no Memorial dos Povos. Fui convidado pra fazer paisagem sonora para esta mostra e nunca mais parei de fazer coisas assim. Por isso dedico ‘Extremos’ a ele”, encerra o papo.
Serviço
A exposição “Homem Cultura Natureza” reúne 22 trabalhos selecionados e 3 premiados pelo 4º Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia. A Casa das Onze Janelas fica na Rua Sequeria Mendes, ao lado do Forte do Castelo (marco da fundação de Belém), compondo o Complexo Feliz Lusitânia, formado também pelo Museu de Arte Sacra/Igreja de Santo Alexandre e pela Catedral da Sé, que rodeiam a Praça Frei Caetano Brandão, na Cidade Velha. O telefone de lá, para mais informações: 91 4009.8821 (Recepção).
Luciana Medeiros*é jornalista, edita o blog Holofote Virtual (veja a postagem no blo: http://holofotevirtual.blogspot.com.br/2013/04/leo-bitar-flagra-efemera-paisagem-do.html)