O viés poético e sensível presentes na fotografia documental, a recusa de obviedade em uma foto performance e a engenhosidade de um trabalho Pinhole, nortearam o olhar da comissão que se reuniu durante três dias, antes de anunciar o resultado da premiação, divulgada na última sexta-feira.
Este ano, o Prêmio Diário, mais uma vez, recebeu trabalhos vindos de várias regiões do país. Além de três premiados, mais 22 foram selecionados e estarão expostos a partir do dia 26 de março, na Casa das Onze janelas.
A artista Maria Helena Bernardes (RS), o fotógrafo Luiz Braga (PA) e o artista visual Armando Queiroz (PA) elegeram como trabalhos premiados deste 4º Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia, a série “Livrai-nos de todo”, do repórter fotográfico Wagner Almeida (PA) – Homem Cultura Natureza; a obra performática “Derrelição”, de Daniela Alvez e Rafael Adorján (RJ) – Diário Contemporâneo; e a experimental “Cobogó”, de Emídio Contente – Prêmio Diário do Pará.
“Os três trabalhos premiados possuem humanidade e de delicadeza, inclusive em cenários onde não se espera isso. Premiamos um fotógrafo que tem um trabalho de fotojornalismo policial. Aliás, eu esperava isso há algum tempo. Alguém que fizesse desse drama urbano, dessa mortandade de jovens, uma realidade que está aí no dia a dia da cidade e que acompanho pelo jornal, um tema a ser tratado de forma séria, mas com delicadeza, sem fazer daquilo algum tipo de panfleto ou um tipo de apologia, e que fosse além do próprio drama. Wagner tratou este tema tão difícil”, disse Luiz Braga.
“Ficamos muito felizes. O Wagner Almeida é um profissional que trabalha com um tema dificílimo e tem uma experiência com cenas de crime, o que ele transcende, tratando com delicadeza, humanidade e solidariedade aqueles corpos que ele fotografa, quase como que os cobrindo e os aquecendo com aquela luz, os trazendo à vida novamente, com carinho, respeito e muita sutileza”, considera Maria Helena Bernardes.
“É um trabalho potente, o que ele apresenta pra todos nós, uma realidade difícil de você encarar. Feito à maneira dele, o trabalho apresenta delicadeza no trato com o humano, e isso o fez pontuar para esta premiação. Existe um olhar ali que compartilha a morte, que talvez seja o momento de maior fragilidade do ser humano. Certamente ele não vê ali apenas um apanhado de carne, ossos e sangue. Há um olhar compassivo, que vê o humano que esta ali. Isso pra mim é importantíssimo, fundamental”, comenta Armando Queiroz.
Longe de obedecer a cartilha do que se pressupõe arte moderna e contemporânea, o Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia buscou mais o resultado do que julgou a técnica utilizada para obter o resultado fotográfico, imagético da obra. É o caso de “Derrelição”, de Daniela Alves e Rafael Adorján.
“A forma como foi conduzido e dirigido este trabalho foi muito feliz, e acabamos tendo uma foto performance de qualidade para a premiação contemporânea. Hoje em dia, trabalhos como este, para me encantar, precisa ter o diferencial e este trabalho tem. Isso passa pela delicadeza com que a figura feminina se insere na fotografia, sem nenhuma apologia à ruína. Este trabalho passa por cima disso com uma delicadeza que, quando você se dá conta, está envolvido, e, ao mesmo tempo, tem um estranhamento bem saudável”, afirma Luiz Braga.
“Vemos uma densidade ali naquelas ruínas. Percebemos naqueles destroços, os destroços da própria alma humana. Não somente o espaço externo, em que foi feita a ação performativa”, reflete Armando.
“É trabalho apuradíssimo de direção cênica, numa determinada locação e que junta duas categorias, a foto de paisagem urbana, com a performance. Os autores trabalharam maravilhosamente as duas formas de expressão, transformando o resultado em uma unidade belíssima e impactante. Foi uma surpresa pra mim que não conhecia o trabalho desses artistas. Muito legal pois agora eu terei o prazer de acompanhá-los aí pelo Brasil”, diz Maria Helena .
Em nenhum momento, o suporte de uma fotografia expandida foi determinante para a decisão do júri, ao contrário, a ligação das formas apresentadas com o aprofundamento da poética de cada um dos trabalhos foi o que fez valer um resultado, em que a comissão buscou a essência de cada trabalho. Assim, Emídio Contente ganha na categoria local, ao trazer em seu trabalho pesquisa e estratégia construída.
“Ele busca meios muito simples para produzir a imagem fotográfica. Através dos seis furos de um tijolo, ele nos faz olhar, por frestinhas, para cantos da cidade que ninguém vê, mas que ele olha com muita sensibilidade. Trata-se de um jovem fotógrafo do Pará, que logo será um jovem artista brasileiro e reconhecido. Ele tem uma bela trajetória aí pela frente”, acentua Maria Helena.
Emídio utiliza o tijolo como um elemento de captura de imagem, que é também interessante, mas não é tudo. “Não privilegiamos a maneira como se faz esta captura, focamos na qualidade e na poesia que há no trabalho. E este resultado final nos tocou”, complementa Armando Queiroz.
“O experimentalismo norteou esta obra. O Emídio utiliza a técnica do Pinhole com uma propriedade, uma sabedoria que realmente me encantou. O trabalho dele é feito com um tijolo de seis furos, trazendo a questão temporal, das imagens terem sido feitas em tempos de exposição diferentes, produzindo imagens diferentes, em tempos diferentes, mas do mesmo cenário. Realmente é encantador”, conclui Luiz Braga.
Para Maria Helena, de maneira geral, não só os fotógrafos premiados, nos quais se destacam aspectos da arte brasileira, os demais participantes também trazem obras de primeira linha. Embora nem tudo tenha tido força para sustentar uma ideia e entrar na exposição, a maioria das inscrições deste ano trouxe trabalhos de qualidade e maturidade.
Não foi tarefa fácil, mas depois de examinar todos os trabalhos, de forma disciplinada, a comissão chegou ao resultado que considera um retrato surpreendente da produção de imagem na arte contemporânea brasileira. “Teremos uma exposição belíssima pela frente”, finaliza Maria Helena.
“Tiramos o que trazia certos maneirismo e fórmulas que algumas pessoas que até por desinformação ou imaturidade se apegam pra ver se cola a estampa de contemporâneo, quando a contemporaneidade não se faz na forma ou com fórmula. É preciso ter alma. Então eu acho que as imagens que estão aí têm isso de uma maneira muito bacana. É uma procissão de luz o que a gente vai ver”, arremata Luiz.
Realizado pelo Jornal Diário do Pará, a partir de Belém do Pará, com patrocínio da vale e do shopping Pátio Belém, o prêmio já conquistou grande prestígio junto a profissionais que inclusive vêm sendo premiados pelo país.
“Belém, com sua excelência em fotografia, assim como os grandes centros estão representados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Bahia, entre os classificados, e ainda outros estados que estiveram presentes na inscrição. O Norte, porém, com exceção do Pará ainda pouco se apresenta, mas é papel de todos nos buscar esta integração maior”, conclui Armando.